Todo fim de ano é igual: nos faz pensar em como ele foi, no que fizemos, no balanço das coisas. E escolhi postar hoje, porque faz 1 ano que fiz a minha última tentativa de suicídio, que quase fui internada no Pinel e muita coisa mudou no meu tratamento e no meu estilo de vida.
Sobreviver a uma tentativa de suicídio é muito traumatizante. Pro sobrevivente e pros que o amam. A dinâmica com a minha família e amigos mudou radicalmente. Eu para sempre terei uma bandeira vermelha enfiada na minha cabeça. Mesmo após 1 ano, eu ainda não tenho autonomia dos meus medicamentos. Meu marido assumiu o posto que a minha mãe tinha no Brasil e, controla e organiza todos eles pra mim. A única coisa que eu faço é comprá-los, porque estão no meu nome.
Há quem pense que é um exagero ou que é um pouco infantil da minha parte. Porém, só quem vive comigo sabe dos meus comportamentos, ora destrutivos, ora impulsivos e ora suicidas, sabe que o risco é real. Na maior parte do tempo eu não deixo isso transparecer para as pessoas, mas muitas vezes passo por noites infernais e quem aguenta tudo isso é o Andre. Por isso, ele tem todo o direito de ficar com meus remédios.
Quem vive com uma doença mental entende essa habilidade de morrer num dia e renascer no outro. Ficar destruída, completamente em pedaços, se sentir totalmente sozinha e desamparada, chorar até não conseguir mais e acordar inchada, de “ressaca”. Mesmo assim levantar no dia seguinte e seguir a vida, porque seguir o fluxo é melhor que parar. Já houve dias como esses em que optei por me autodestruir. Com bebidas, cigarros, drogas e remédios. Demorei muito tempo para perceber que o dia seguinte era muito pior com eles.
Posso dizer que esse ano me deixou mais experiente e confortável com relação ao meu transtorno. A gravidade dele me bateu no dia 23 de dezembro do ano passado e me fez perceber aquilo o que eu temia desde criancinha: posso morrer disso se eu não me cuidar. Porque quando eu era bem pequena, eu pensava comigo mesma enquanto me olhava no espelho, que eu era diferente das pessoas à minha volta. Que não era possível eu sentir todas essas coisas e ser “normal”. Que um dia, um médico, iria falar que tinha algo na minha cabeça. E quando eu recebi meu diagnóstico, escutei a minha voz infantil falando dentro de mim “Taí! Bem que você falou!”.
Porém esse ano eu entendi que muita coisa que acontece comigo não é o transtorno acontecendo, sou eu mesma, sendo ansiosa, com meus traumas e problemas diários. É claro que tomar essa quantidade de medicamentos que eu tomo me atrapalha muito, principalmente no quesito concentração. Mas eu me senti bem grande parte do ano, mesmo com pandemia rolando e mudança de país. Aprendi a me enxergar, apesar do transtorno.
Tiveram alguns meses, inclusive, que me senti tão bem que os sintomas pareciam distantes da minha realidade. Mas como eu disse uma vez aqui, um transtorno mental é como uma criança pequena que você deve sempre estar de olho, porque ela pode estar comportada por um momento, mas num piscar de olhos pode estar tocando o terror.
Esse último trimestre foi bem difícil. Tudo desandou com aquela semana que fiquei sem o lítio. Tanto quimicamente, quanto psicologicamente. Decidi retomar a faculdade e ter aulas de dinamarquês, que são incríveis por me darem compromissos e senso de responsabilidade, mas ao mesmo tempo, quando fiquei instável, foi muito complicado de administrar.
Nesse momento me sinto bem. Consegui segurar as rédeas do distúrbio alimentar e o transtorno está tranquilo. O psiquiatra alterou as medicações há poucas semanas e me sinto melhor desde então. Consegui entregar todos os trabalhos da faculdade a tempo e agora estou tranquilamente de férias.
Também penso no que consegui absorver desse trauma sofrido há um ano e posso dizer, com todas as letras, que amor e compaixão me salvaram. Não só no momento em si, mas depois no dia-a-dia, na rotina, quando muitas vezes quis desistir de novo. É clichê? É, mas a vida é um sopro para se levar com raiva e rancor. Cultivar o amor é salvador, acolhedor e nos aquece o coração.
Apesar de todos os problemas que o mundo inteiro vem passando nesse 2020, particularmente pra mim, esse foi um bom ano. Sinto que amadureci em várias esferas, tive muitas conquistas pessoais, voltei pra minha casa, venci alguns medos. Eu agora me sinto realmente pertencente a um lugar no mundo e quero ficar nele.
Me sinto otimista com o futuro, com o próximo ano. Mais uma vez, digo isso pra minha vida pessoal. Afinal, 2020 foi o ano que plantei minhas sementes e espero ver o crescimento dos meus planos em 2021. Estou aprendendo a enxergar as coisas de maneira positiva e acho que tenho me saído bem. Mudar esse modus operandi de como enxergar a vida é bem difícil, mas é, de fato, o primeiro passo para melhorar. Aprendi a ter compaixão comigo mesma, não pena, mas compaixão. Ser paciente e amorosa com as minhas limitações. Até porque, já diria RuPaul: “If you don’t love yourself, how in the hell you gonna love somebody else?”
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